Em 16/01/1995, o aluno 08 (zero oito) – evitar-se-á o nome para a respeitar a imagem da pessoa, frente a este mundo discriminatório, ingressou às fileiras do Exército Brasileiro no famigerado Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva em 1995, um Órgão de Formação de Oficiais da Reserva (OFOR) do 32º Grupo de Artilharia de Campanha em Brasília/DF.
O número 08 (zero oito) foi em função da ordem alfabética utilizada e para ele recaiu. Infelizmente, o número – maldosamente, tem uma conotação bem negativa, pois, “08” significa, no dicionário informal, “Maluco”, “doido”, isto é, aquele que tem um certo distúrbio mental (um parafuso a menos).
Infelizmente, a numeração já começou não o ajudando, pois o que o “08” tinha, nada tinha a ver com Distúrbio Mental, mas sim com o AUTISMO.
O que é o AUTISMO? É um transtorno do neurodesenvolvimento do cérebro que afeta a capacidade de relacionamento com pessoas e o ambiente (manifestações comportamentais e interação social), além de desenvolvimento atípico, déficits na comunicação, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados (ações repetitivas, como movimentos, posturas ou falas), podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades, além de outras comorbidades, isto é, a existência de mais de uma doença ou condição manifesta no organismo ao mesmo tempo, ou seja, elas incluem doenças que não têm cura, porém, passíveis de controle.
O 08 (zero oito) possui também um transtorno de neurodesenvolvimento chamado TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), juntamente com um transtono de personalidade, desenvolvida ao longo da vida, chamada Bipolaridade, em sua fase mais “leve”, a ciclotimia.
Todo o exposto acima serve para elucidar primeiramente as características da saúde mental de 08 (zero oito).
O que se verificou, durante o curso em 1995, por exemplo, na Folha de Conceito de Aspirante-a-Oficial é justamente os problemas enfrentados por ele, tais como : – dificuldades de comunicação e interação social (sons altos ou agressivos o perturbavam), distúrbios do sono, distúrbio neurológicos, agressividade (quando se sentia acuado ou provocado), dificuldade para identificar e interpretar as expressões faciais, os gestos comunicativos, dificuldade de identificar e interpretar as expressões, dificuldade de entender as próprias emoções, dificuldade de fazer amizades, dificuldades para participar de atividades e brincadeiras em grupo, dificuldade para repetir as mesmas frases ou palavras com frequência. Além de tudo isso, o TDAH o atrapalhava bastante na ATENÇÃO, devido aos “voos” frequentes que aconteciam em sua mente, além de ter momentos de hiperatividade que atrapalhavam sua concentração, tirando o seu foco totalmente.
Como se bem percebe, estamos falando de uma situação individual de saúde mental que mal era falado ou discutido há 30 (trinta) anos da época que 08 (zero oito) adentrou ao Exército Brasileiro.
Naquela época era muito forte a incompreensão frente a tudo isso. Caso, por exemplo, fosse tentado explicar isto a Oficiais, a possibilidade de incompreensão, ou ceticismo, seria grande, porque, possivelmente, maioria dos filhos destes militares poderiam ser “normais”, e a justificativa de um aluno do NPOR para as suas dificuldades seriam meras desculpas, pois, infelizmente, naquela época, a IGNORÂNCIA era muito maior que a de hoje.
A sociedade brasileira é engraçada em muitos aspectos, como, por exemplo: aceita condições inexistentes ou inventadas como normal (uma pessoa querer ser uma pedra) e esta condição tem que ser aceita, inequivocadamente. Uma pessoa portadora de deficiência física, uma pessoa portadora da “Síndrome de Down” já recebem um tratamento mais adequado em função da condição estar “aos olhos” de todos, ou seja, isso não se pode negar. Mas, algo que está na mente, as pessoas duvidam e acham que é “invencionice”.
Naquela época, 08 (zero oito) passou por TODA “SORTE” de provações. Ele era uma pessoa achincalhada por colegas de curso, frente aos seus “defeitos” ou atitudes esquisitas, a qual chamavam de “bizonhadas”, além de ser humilhado por todos os oficiais e sargentos.
Uma pessoa de inteligência mediana deveria ter agido e evitado todo o sofrimento de 08 (zero oito), tendo em vista que o que acontecia com ele não era normal. Mas, faltou inteligência média e Deus nos corações desumanos daqueles oficiais, monitores e colegas de curso.
08 (zero oito), em todo o seu período de curso, NUNCA pediu ATESTADO, ou PRIVILÉGIOS. Sofreu muito com seus apagões, devido à intensa pressão que somente ele sofria, mais ninguém.
Passaram-se 30 (trinta anos) para este texto ser escrito, pois, 08 (zero oito) queria passar para a pessoa certa o que escrever na hora certa, isto é, hoje ele sabe do seu diagnóstico de AUTISTA NÍVEL I, LAUDADO recentemente, aos 50 (cinquenta anos), além dos outros já citados acima e tomando os seus 4 (quatro) remédios diários. Hoje, ele pode concentrar-se no que precisa atentar-se, mesmo já com seus 51 (cinquenta e um) anos, isto é, vigiando-se nas características inatas que sua condição o traz.
Ao Exército Brasileiro fica a tristeza em saber como – provavelmente, tratou a saúde mental de muitos, o que causa decepção. Acredita-se que nem uma estatística séria há sobre isso.
Causa decepção, também, o fato de que o Estado brasileiro é despreparado e ignorante sobre o assunto e sua atuação, pois as atitudes sempre partem da sociedade civil.
O Estado brasileiro, como sempre, está atrasado, em média, 50 anos dos EUA (Estados Unidos da América) em tecnologia médica, bélica, informática, enfim, sempre atrasado em tudo.
Parabéns, 08 (zero oito), dentre tudo o que foi escrito, pois você foi guerreiro, mereceu o aspirantado, – apesar da CARA contrária dos Oficiais e Monitores, além de poucos “colegas”, devido ao despreparo e ignorância deles.
Hoje, 08 é um guerreiro na POLÍCIA, um estudante autodidata e contínuo, uma pessoa de QI acima da média, um cidadão de bem e, atualmente, “NÃO SE AFETA” para situações que o queiram destratar, pois provou ser um GLADIADOR, UM VENCEDOR, mesmo com o AUTISMO em sua vida.
Charlles F. R. Setúbal – Escritor
Respostas de 3
Interessante comparação de fato, triste realidade
Parabéns ao nobre guerreiro que venceu todas as adversidades e não permitiu limitar-se por suas dificuldades pessoais.
Fica aqui uma grande lição a todos nós.
Que texto corajoso!
Parabéns a escrita é uma ótima terapia e agradeço por compartilhar a sua experiência.
Particularmente não gosto de diagnósticos, pois é apenas uma foto do momento, prefiro focar na personalidade que embora seja dinâmica tem características que permanecem.
Você tem alma de artista e não autista.